Há mais de um ano, quase no apagar das luzes do último Governo, foi gestada uma norma bastante preocupante para os empregadores e para o próprio Poder Público. Trata-se da Medida Provisória nº 1.108, de 25 de março de 2022, que foi convertida na Lei 14.442/2022 em setembro do mesmo ano e que está em vigor.  

Entre as disposições do novo dispositivo, encontra-se a proibição de que as empresas de vale-alimentação e vale-refeição concedam desconto às empregadoras. Essa prática, comum neste mercado, não afeta o valor recebido pelos empregados. A operadora dos vales oferta um desconto à empregadora, obtido por prévia negociação junto aos estabelecimentos que fornecem a alimentação e aceitam receber um valor menor para angariar clientes.  

Trata-se de uma cadeia de negociações privadas, sem qualquer prejuízo aos trabalhadores ou ao Poder Público.  

Vale ressaltar que a mera interferência governamental nessas relações já seria desarrazoada e suspeita.  

Entretanto, a suposta justificativa da nova lei fugiu a qualquer racionalidade.  

Na exposição de motivos da norma sustenta-se que não poderia haver “duplo benefício” às empresas, já que as empregadoras recebem benefícios fiscais sobre os valores pagos aos funcionários no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), viabilizando menor recolhimento de Imposto de Renda (IR). 

Ora, a restrição já não faz sentido para as empregadoras privadas e sua motivação revela-se completamente irracional.

 A situação agrava-se no caso do Poder Público, que contrata mediante licitações. Antes da referida lei, o principal critério de escolha da fornecedora dos vales era o maior desconto possível. Com o novo dispositivo, indevidamente aplicada às contratações Públicas, a Administração passou a ser proibida de aceitar qualquer desconto, ou seja, foi obrigada gastar mais para a alimentação de seus servidores. 

Se a lei não tem qualquer sentido para o setor privado, que recebe benefícios tributários, sua aplicação é ainda mais absurda para a Administração Pública, que não paga tributos (artigo 150, inciso IV, alínea “a”, da Constituição Federal).   

Só no Estado de São Paulo, considerando a Administração direta e indireta, estima-se que o gasto extra com essa proibição irracional será e R$ 290,5 milhões nos próximos cinco anos.  

Desta forma, como explicar gastos que não resultam em qualquer benefício aos trabalhadores ou à população?

A motivação da norma em um Estado Democrático de Direito consiste em uma explicação racional à população a quem se dirige o comando estatal. Quando essa justificativa não se sustenta logicamente devemos suspeitar de supostos interesses escusos, perigosamente distantes do real interesse público. 

Mais do que refletir sobre o tema, é preciso que o Poder Judiciário se posicione sobre a constitucionalidade ou não dessa nova lei no que diz respeito ao livre mercado e sem causar prejuízos à atividade empresarial, já que não existe ônus ao Poder Público.

Antonio Paulo de Mattos Donadelli é advogado graduado na PUC/SP, com especialização na Escola Superior de Direito Constitucional; Mestre em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie; Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo