Por Dra Mairim
Muito tem se falado a respeito da doação de sangue por homossexuais, já que esse assunto virou pauta há algumas semanas diante da posição do Ministério da Saúde em relação a Portaria 2712/2013, editada pelo próprio Ministério da Saúde, posteriormente ratificada pela Portaria 158 de 2016.
Tal Portaria, em seu artigo 64, parágrafo IV, determina que “homens que tiveram relações sexuais com outros homens (…)” estariam inaptos à doação de sangue. No entanto, o artigo 2’ da própria Portaria determina que a triagem realizada nos doadores não poderia ser embasada em “preconceito e discriminação por orientação sexual (…)”.
Nota-se um contrassenso em tal documento, vez que contraditório na análise dos artigos citados e, pior ainda, inconstitucional, visto que o artigo 5’ da Constituição Federal determina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.”
A questão não é a relação sexual em si, mas sim a relação de natureza anal (que inclusive não é praticada apenas por casais homossexuais).
Pois bem, embora tal Portaria seja relativamente antiga, o Ministério da Saúde foi questionado sobre o conteúdo discriminatório do artigo da mesma e informou que os critérios quanto aos doadores de sangue visam “assegurar a qualidade do sangue coletado”.
Buscando dados para escrever essa matéria, encontramos a pesquisa “Comportamento, atitudes, práticas e prevalência de HIV e sífilis entre homens que fazem sexo com homens em 10 cidades brasileiras” (pesquisa esta de 2010), que constatou que a prevalência do vírus HIV é de 10,5% na população homossexual.
Sem citar aqui toda a questão de vulnerabilidade e preconceito, dentre outros fatores sociais e econômicos, sabemos que o índice de prevalência dentre a população gay realmente é alto; no entanto, a questão jurídica da ‘coisa’ é: se não somente casais homossexuais praticam sexo anal, por que o artigo da Portaria 2712 apenas cita “homens que tiveram relações com outros homens” como impedidos de realizar doações de sangue?
Por outro lado, vivemos numa atual pandemia, quando os bancos de sangue, que já eram escassos, estão sofrendo mais do que nunca pela falta de doadores saudáveis. Tanto é que diversas campanhas estão sendo realizadas, no sentido de incentivar a doação pelas pessoas que estão em isolamento social. Diante desse cenário, é realmente razoável negar a doação de pessoas saudáveis diante de sua orientação sexual?
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543, requerendo o reconhecido da inconstitucionalidade dessas Portarias, tramita perante o Supremo Tribunal Federal sob a alegação de preconceito velado, visto que não levam em consideração o comportamento sexual do doador e sim a orientação sexual do mesmo.
A questão não é o tipo de sexo praticado e sim com quantas pessoas e de que maneiras foram praticados, se com o uso dos devidos preservativos ou não. É isso que determina “a qualidade” do sangue doado e não a opção sexual do doador.
Neste sentido, é o posicionamento da ONG ABCD’S - Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual, na pessoa de seu presidente Marcelo Gil: “De forma impositiva e homofóbica, com olhares de retrocesso estrutural, não permitem que realizemos doações de sangue; no entanto, não percebem que a cor do nosso sangue é igual a de qualquer cidadão de bem.”
Cabe reflexão quanto ao tema, que é delicado, e que precisa ser encarado, não só pela comunidade LGBTQ+, mas também por todos nós, que podemos um dia precisar de tais doações.